SÉRIES
FOTOGRÁFICAS
Enquanto Espero (2021/2024)
Durante o ócio dos períodos onde nada acontece, independentemente do quanto ou do que buscamos, existe um potencial invisível. Sustentar os momentos de espera evidencia de maneira inescapável as angústias que a demanda imediatista e frenética pela produção de novas imagens exerce sobre o artista. A pressa é antagônica à presença requerida pelos meios analógicos e não somente perturba a ordem natural do processo criativo, como coopera para uma desenfreada geração de conteúdos onde o imaginário não se desenvolve, apenas reage.
Enquanto Espero foi uma série fotográfica primeiro idealizada em 2021, quando foi finalista da 1ª chamada de fotolivros da Sô Edições e integrou a coleção de mini-zines do edital. Três anos depois, as velhas imagens anteriormente publicadas encontram novas produções realizadas neste meio-tempo, retrabalhadas e integradas em uma nova edição.
O projeto mescla técnicas fotográficas de impressão e intervenção analógica, retratando as frustrações e aceitações presentes nos ciclos de inatividade em que o tempo das coisas se impõe soberano às nossas vontades, tentativas e desassossegos.




Afeto (2021)
O papel das imagens na construção de futuros e representações do presente se destaca diante de uma crescente crise do imaginário. Estamos atravessando um momento histórico em que narrativas fatalistas, de perdição e fim do mundo, se fortalecem em meio às tensões de um colapso da realidade como a conhecemos. Nesse contexto, sonhar caminhos para o futuro pode, às vezes, soar como ingenuidade.
A série “Afeto”, realizada no auge da pandemia, foi reinterpretada nos últimos anos enquanto uma tentativa minha, como artista, de reafirmar meu comprometimento com a criação de imagens que tornam acessíveis aos sentidos as infinitas possibilidades que a imaginação oferece. Ao priorizar o tempo fotográfico em sua forma espiral, fotografar e interpretar a realidade deixam de ser práticas meramente representativas, de natureza documental e histórica, para se tornarem ferramentas que permitem a ousadia de construir outras narrativas além daquelas que parecem ser as únicas possíveis. Fazer imagens torna-se um exercício ativo de fé, ao se misturar à "decência-boniteza" que Paulo Freire descreve como essencial ao pensamento crítico.
As fotografias desta série foram realizadas em filme 35mm, intensamente afetado por fungos, o que fez com que toda e qualquer previsibilidade sobre o resultado desaparecesse. Assim como o futuro, o processo laboratorial e experimental na fotografia nos treina para trabalhar com o espaço do impossível. Os fungos, por sua vez, agem sobre os filmes e papéis fotográficos devido à composição orgânica do material, interferindo como elementos vivos no potencial latente da imagem e afirmando sua participação e co-criação.
É da natureza de todas as coisas vivas se afetarem. A consciência disso e o contato sensível proporcionado pelo fazer artístico são ferramentas de poder. Experiências de conexão e afetamento sustentam a resiliência necessária para que, no mistério do que não conseguimos planejar, a imaginação persista como catalisadora de mudanças e propositoras de outras histórias.




um espelho de prata imita meu corpo (2021-2024)
O filme como instrumento, em sua essência, é um meio orgânico. Na linhagem da fotografia e do cinema experimental, a película é interpretada como um material vivo, composto por elementos da natureza, sensível ao ambiente e às experiências que o desestabilizam, podendo ser poeticamente utilizado para refletir uma extensão do corpo que a manipula.
A série em andamento um espelho de prata imita meu corpo acompanha o processo de decaimento de autorretratos em 35mm que foram intencionalmente mal armazenados ao longo dos anos. A deterioração causada por fungos e pelo fenômeno do espelhamento de prata, que naturalmente acomete a emulsão de materiais fotográficos devido ao contato com umidade e poluição do ar, resulta no progressivo apodrecimento dos retratos que um dia cristalizaram minha presença. Documentando as alterações nos negativos ao longo do anos, traço uma conexão entre os danos ocasionados ao filme e o impacto da poluição ambiental sobre minha saúde como pessoa de contexto urbano.
A contaminação do ar, a poluição das atividades industriais, os incêndios florestais e o aumento da temperatura global têm intensificado problemas respiratórios durante o inverno mais quente e seco da história do Brasil, com alertas sobre a qualidade do ar direcionados a grupos de risco sendo emitidos diariamente. Utilizo nessa série a deterioração e decaimento da emulsão ocasionados pela negligência ao invés de intervenção direta como uma imitação visual das sensações físicas experimentadas pelo meu sistema respiratório em um território que tem sua destruição planejada em detrimento do cuidado com as vidas que o compõem.



